“Nativos digitais”: verdade ou mito?
Se você nasceu entre 1980 e 1995 e é do time de quem teve o privilégio de acessar a internet desde quando “tudo era mato”, provavelmente passou por uma primeira era de blogs e salas de bate-papo, teve ICQ e MSN, foi uma das primeiras pessoas a fazer conta no Orkut, Twitter e Facebook. Está no Instagram e LinkedIn e até se arrisca no Tik Tok, mas é possível que já esteja com aquela sensação - que as gerações anteriores também tiveram - de que tudo está mudando rápido demais e tem sido desafiador acompanhar, certo?!
Pois é, enquanto nós fazemos parte de uma geração que vivenciou a transição do offline para o online, a geração que veio depois da nossa cresceu sem saber o que é “sair da internet” e já com o mundo digital na palma da mão, sendo reconhecida como a primeira geração de nativos digitais. Logo, a primeira geração a ter “verdadeiro domínio” sobre este universo.
Mas será que é mesmo possível presumir que a geração Z vai ter sempre mais facilidade com o mundo online só por ser nativa digital?
Vem com a gente que é sobre isso que vamos refletir na CoolBox de hoje!
A origem do termo “nativo digital”
A expressão foi cunhada em 2001 por Marc Prensky, um renomado escritor, palestrante e especialista em educação dos Estados Unidos, em um contexto de provocação sobre os métodos tradicionais de ensino no país.
Ao se referir a uma geração de estudantes nascida em meados dos anos 1990, Prensky utilizou o termo "nativo digital" como forma de identificar os "falantes nativos" da linguagem digital dos computadores, videogames e Internet.
"Os alunos de hoje - do ensino fundamental à faculdade - representam as primeiras gerações a crescerem com essa nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores, videogames, tocadores de música digital, câmeras de vídeo, telefones celulares e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. Hoje, o universitário médio passa menos de 5.000 horas de sua vida lendo, mas mais de 10.000 horas jogando videogames (sem mencionar as 20.000 horas assistindo à televisão). Jogos de computador, e-mail, Internet, telefones celulares e mensagens instantâneas são partes integrantes de suas vidas."
- Marc Prensky
E é assim que, desde então, o termo vem sendo amplamente utilizado para definir essa geração de pessoas hipercognitivas* e que aparentemente possuem mais habilidades para reunir e combinar diversas fontes de informação por terem nascido em um momento em que a internet e os telefones celulares já estavam disseminados.
*Hipercognitivas: pessoas com capacidade de vivenciar várias realidades ao mesmo tempo.
Um outro ponto de vista
A reflexão da CoolBox de hoje foi motivada por um artigo do Financial Times no qual o jornalista Stephen Bush problematiza o fato de que a tecnologia está mudando rápido demais para assumir que as próximas gerações terão um total domínio de tudo.
Intitulado “There’s no such thing as a digital native” (“Não existe um nativo digital”), o texto apresenta a visão pessoal de Bush durante sua participação em uma reunião com especialistas e tomadores de decisão política para discutir os desafios da regulamentação da Inteligência Artificial. Ele conta que, no decorrer do encontro, um dos participantes afirmou que embora o desafio fosse muito grande para o grupo de reguladores presentes, o mesmo seria resolvido pela nova geração de nativos digitais.
“Fiquei atento, esperando descobrir algo sobre mim mesmo e por que eu estava bem posicionado para resolver esse problema. Em vez disso, percebi que não sou mais um nativo digital. O que é um nativo digital agora parece estranho e assustador para mim. Para mim, significava ter crescido na era após o advento do computador pessoal e quando os telefones celulares estavam disseminados. Agora, parece significar ter crescido em uma era em que você tem acesso à Internet 24 horas por dia, quer queira ou não, e tudo, desde conspirações rebuscadas até pornografia violenta, é canalizado para o seu feed de mídia social.”
- Stephen Bush para o Financial Times
Na perspectiva de Bush, o significado de “nativo digital” tem mudado drasticamente porque a definição de “digital” também tem se transformado. E continuará a se transformar. Como exemplo, ele cita o fato de que uma criança que está entrando na escola agora provavelmente terá uma parca memória do mundo sem a Inteligência Artificial.
Isso nos leva a refletir e compreender que, diante da ampla diversidade de possibilidades, plataformas e informações disponíveis, é praticamente impossível para qualquer pessoa, independentemente de sua geração, dominar tudo. Portanto, não faz sentido atribuir exclusivamente às novas gerações a responsabilidade por aquilo que, supostamente, não conseguimos fazer. Até certo ponto, todos nós somos aprendizes nesse cenário em constante evolução.
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Acesso x educação midiática
Para além de casos que envolvem a regulamentação das novas tecnologias, temos ainda a questão de que o maior acesso a elas não necessariamente se traduz em mais educação midiática. Ao menos é o que sugere o relatório Leitores do Século 21, apresentado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
A pesquisa investiga as habilidades de compreensão de texto de alunos de 15 anos avaliados no exame internacional Pisa, conduzido pela OCDE em 2018 em 79 países ou territórios, incluindo o Brasil.
Ao analisar os dados referentes ao Brasil, constatou-se que apenas um terço (33%) dos estudantes foi capaz de diferenciar fatos de opiniões em uma das questões apresentadas no Pisa. Quanto às habilidades de navegação, apenas 24% dos alunos na média da OCDE foram considerados altamente proficientes, enquanto no Brasil esse número foi ainda menor, alcançando apenas 15% dos estudantes.
Resumidamente, os dados revelam que, embora haja uma ampla possibilidade de acesso a informações, existe uma grande dificuldade em compreender sutilezas ou ambiguidades em textos online, encontrar materiais confiáveis em pesquisas na Internet, e-mails e redes sociais e avaliar a credibilidade de fontes de informação. Ou seja, maiores são as chances de os jovens se tornarem presas fáceis para o movimento de desinformação que vemos crescer na internet e nas redes sociais.
Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, carreira ou negócio?
Como vimos, a geração Z é considerada "nativa digital" devido à sua exposição precoce e contínua às tecnologias digitais. No entanto, no mundo em constante transformação em que vivemos, é importante questionar a suposição de que essa alta exposição se traduz automaticamente em habilidades superiores.
Se por um lado temos uma geração de pessoas com mais acesso e domínio de ferramentas como a A.I, por exemplo, por outro, temos um gap relacionado à interpretação do conteúdo das informações ao qual essa geração é exposta. Ou seja, o acesso à tecnologia não garante uma educação midiática adequada.
Se estamos falando de pessoas que representam a nova força de trabalho, estamos falando de déficits de habilidades imprescindíveis para funções de alta complexidade, como liderança. Diante desse contexto, talvez caiba aos negócios e marcas:
O discernimento e o cuidado ao delegar a responsabilidade sobre funções às quais esta geração pode não estar preparada para desempenhar.
Assumir, em cocriação, um papel formativo desses novos profissionais, uma vez que as instituições tradicionais de ensino, sozinhas, não dão conta de suprir essa necessidade.
Marcas e empresas possuem a chance de desempenhar um papel na promoção da educação midiática - e de outras habilidades - oferecendo conteúdo confiável, verificado e transparente, auxiliando os jovens a distinguir entre informações autênticas e desinformação.
Se este é o seu caso, fala com a gente que nós podemos te ajudar!
Eu poderia emoldurar essa frase
A confusão resultante de períodos de mudanças tecnológicas muito rápidas que ultrapassam o conhecimento das gerações ainda não acabou. Se você estiver procurando novas ideias de produtos ou melhores maneiras de explorar as tecnologias existentes, a próxima onda de nativos digitais poderá ajudá-lo. Mas se estiver procurando por eles como a solução para questões regulatórias ou políticas que se aproximam, lembre-se de que a regra de Abe Simpson* chegará para todos nós mais cedo ou mais tarde.
- Stephen Bush para o Financial Times
*No início do texto, Bush faz uma referência a uma fala do personagem fictício Abe Simpson, pai de Homer Simpson, em um episódio da série de desenhos animados. Abe Simpson menciona que costumava estar atualizado e familiarizado com as mudanças do mundo, até que essas mudanças se tornaram estranhas e assustadoras para ele. Abe Simpson sugere que essa mesma sensação de estranheza e medo também ocorrerá com seu filho Homer.
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