E se pensássemos em ‘decrescer’?
Esta newsletter foi escrita em meio às notícias e reclamações de uma onda de calor avassaladora no Brasil, somadas à informação de que um ciclone no Sul do país traria uma frente fria para outras regiões.
Enquanto a população reveza as roupas de verão e de inverno, algumas empresas se preocupam com o faturamento negativo do último semestre, outras já estão se planejando para vender mais no próximo ano. Uma profusão de anúncios invade as redes sociais, os sites, as TVs tentando fazer com que consumamos coisas das quais, na realidade, nem precisamos.
Não é novidade para ninguém que a busca pelo crescimento econômico desenfreado há muito vem testando os limites do Planeta, criando um contexto no qual se torna imperativo vislumbrar outras possibilidades de estar e interagir com o mundo. Por isso, hoje queremos refletir sobre a “Teoria do Decrescimento”, uma abordagem que tem ganhado força nos últimos anos, sobretudo no Hemisfério Norte. Você já ouviu falar?
Vem que nós te explicamos!
Trocando em miúdos: conceituando o decrescimento
No livro Pequeno tratado do decrescimento sereno, o filósofo francês Serge Latouche, um dos precursores do movimento iniciado nos anos 2000, explica o decrescimento como um conceito que se origina de duas fontes.
A primeira é antropológica e se refere à crítica antiga da economia, da modernidade e da base original do homo economicus, emergente nos anos 1970. A segunda é a ecológica, ligada ao relatório do Clube de Roma, que expõe a inviabilidade de um desenvolvimento infinito dentro de um planeta que não é, sugerindo que podemos, sim, viver de outra maneira.
A palavra de ordem "decrescimento" tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e portanto para a humanidade. Não só a sociedade fica condenada a
não ser mais que o instrumento ou o meio da mecânica produtiva, mas o próprio homem tende a se transformar no refugo de um sistema que visa a torná-lo inútil e a prescindir dele.
Serge Latouche em “Pequeno tratado do decrescimento sereno”
A Teoria do Decrescimento, portanto, critica a forma como a nossa atual sociedade está estruturada, propondo uma mudança radical na maneira como enxergamos e medimos sucesso e bem-estar enquanto abordamos simultaneamente as questões de crescimento econômico e disparidades sociais e preservarmos o nosso planeta.
Te explicando pra não te confundir: “decrescimento” é diferente de taxas negativas de crescimento
Mergulhar em proposições teóricas pode ser um tanto confuso, não é mesmo? Mas vamos tentar esclarecer.
Hoje, o principal indicador que informa se um país está ou não se desenvolvendo é o Produto Interno Bruto, o PIB, que nada mais é do que a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em um ano.
Se o PIB é positivo, próximo, ou além do esperado, significa que houve crescimento, o que é bom. Se o PIB é negativo, significa que houve uma diminuição do crescimento, o que não é bom. No entanto, isso NÃO seria decrescimento.
Na lógica do decrescimento, as nações mais ricas renunciariam ao crescimento do PIB como seu principal objetivo em prol de uma sociedade voltada para uma melhor qualidade de vida, com maior bem-estar e igualdade, através da redução planejada do trabalho e do consumo. Isso implica a diminuição das práticas de produção prejudiciais que consomem excessivamente energia e recursos. Por esse motivo, essa teoria também é conhecida como “pós-crescimento”.
Possibilidade ou utopia?
Na prática, o decrescimento envolve medidas que variam desde a regulação da publicidade e da obsolescência programada, passando pelas restrições ao consumo excessivo e eliminação de indústrias e setores ambientalmente prejudiciais, como a aviação privada, o turismo de massa e a indústria automobilística.
A redistribuição de renda para países menos desenvolvidos, o desenvolvimento de projetos comunitários e de uma real cultura de compartilhamento, bem como da semana de quatro dias de trabalho, também estariam na agenda do movimento.
No entanto, o decrescimento também desperta opiniões controversas. Neste artigo, por exemplo, o economista Wim Naudé argumenta o porquê de ser uma má ideia. Segundo ele, ao focar nos países industrializados, o movimento poderia ser ineficaz e, paradoxalmente, até prejudicial para o meio ambiente, uma vez que as interdependências econômicas afetariam de forma significativa os países em desenvolvimento.
Naudé também ressalta que, atualmente, 63% das emissões de carbono vem de países em desenvolvimento, onde elas continuarão aumentando. “A China, por exemplo, constrói por semana o equivalente a duas novas usinas de energia movidas a carvão”, diz.
O autor argumenta, ainda, que a redistribuição de renda para os países menos desenvolvidos ocasionaria, involuntariamente, um aumento do consumo nesses países, aumentando também a contaminação, além do fato de que uma queda dos países desenvolvidos significa menos recursos para investir em tecnologias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Complexo!
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Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, carreira ou negócio?
A discussão ainda é longa e demanda aprofundamento. Por isso, mais do que apresentar soluções ou respostas prontas, o objetivo da CoolBox de hoje foi trazer uma outra possibilidade de como as coisas podem ser.
Em um mundo cada vez mais consciente das limitações do crescimento desenfreado, a Teoria do Decrescimento emerge como uma perspectiva que busca redefinir nossas prioridades. Ela nos desafia a repensar nossa relação com o planeta, nossos modelos econômicos e, fundamentalmente, o significado de uma vida bem-sucedida. Embora as controvérsias persistam e as soluções práticas possam variar, a discussão em torno do decrescimento é vital para explorar novos caminhos em direção a um futuro sustentável.
Imaginar um modelo de desenvolvimento cuja prioridade não seja econômica é uma tarefa desafiadora e exaustiva porque exige a desconstrução da forma como a gente aprendeu a enxergar e estar no mundo. Ou seja, pensar em decrescimento implicaria na própria ressignificação do que, desde criancinha, aprendemos como crescimento. Economicamente falando, como algo que atribuímos sempre a mais. Mais dinheiro, mais consumo, mais experiências...
A verdade é que não existe uma solução única para os desafios ecológicos e sociais que enfrentamos. No entanto, ao considerar seriamente as ideias do decrescimento, podemos abrir espaço para um diálogo orientado para a ação.
Independentemente de onde nossas reflexões nos conduzam, uma coisa é certa: o modelo de economia há muito não tem dado conta dos problemas que vivenciamos no presente. Portanto, mais do que nunca, é tempo de cocriar outros futuros possíveis.
Por falar nisso, sabia que temos um workshop desenvolvido para transformar tendências do futuro do trabalho em ações no presente? Caso tenha interesse, entre em contato com a gente que te explicamos como funciona!
Eu poderia emoldurar essa frase
Uma falsa abundância comercial destruiu a nossa capacidade de nos maravilharmos diante dos dons da natureza (ou da engenhosidade humana que transforma esses dons). Reencontrar essa capacidade suscetível de desenvolver uma atitude de fidelidade e de reconhecimento com relação à mãe Terra, ou mesmo uma certa nostalgia é a condição de sucesso do projeto de construção de uma sociedade do decrescimento sereno, assim como a condição necessária para evitar o destino funesto de uma obsolescência programada da humanidade.
Serge Latouche, filósofo francês. Trecho de seu discurso no Festivalfilosofia (Itália), publicado no jornal La Repubblica no dia 14 de setembro de 2012 e traduzido por Moisés Sbardelotto.
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