Vale tudo: desejos e desesperos por trás do viralismo
Sabe aquelas músicas-chiclete, que grudam na cabeça e de repente estão tocando em todos os lugares? Pois é, elas podem ser fabricadas somente com o intuito de ser o próximo hit do verão.
Se você trabalha na área de conteúdo digital, é bem possível que já tenha recebido como pedido de um cliente: "quero um viral na minha mesa, até o fim do dia", quase como se existisse uma receita de bolo pronta para construir um conteúdo que alcança muita gente.
Será que tem?
Leia a edição anterior:
02/03 - Discutindo o óbvio e lutando pelo mínimo: as mulheres no mercado de trabalho (CoolBox)
Vale tudo?
Receita de bolo a gente pode garantir que não tem, mas existe sim uma ciência do comportamento humano por trás desse tipo de conteúdo. Até porque, no fundo, as redes sociais são mais sobre pessoas do que sobre tecnologia.
Muitos tentam viralizar, poucos conseguem. E nem sempre a intenção ajuda, porque tem também um componente bem aleatório nisso tudo. Conteúdos despretensiosos costumam ser mais menos "forçados" e assim acabam viralizando de verdade. A Shakira, por exemplo, demonstrou ter ficado surpresa com a enorme repercussão da sua música com indiretas sobre o término com o ex-marido (o fatídico caso da geléia).
Por outro lado, as fanfics com lições de moral continuam rolando soltas no LinkedIn...
Mas, para além das possibilidades de monetização, de onde vem o desejo/desespero de aparecer e viralizar? 🤔
Segundo a psicoterapeuta Courtney Tracy, especialista em vícios, a dopamina é ativada em nosso cérebro quando recebemos algum reconhecimento nas redes sociais. O sentimento de aprovação e validação social que vem junto com a atenção faz com que esse desejo de "bombar" nas redes fique cada vez mais forte (Mashable).
A ótima Newsletter da Float Vibes, nossos vizinhos aqui de Substack, foi uma das primeiras a refletir sobre essa questão com um olhar mais profundo e propondo o termo VIRALISMO. Os psicanalistas Andre Alves e Lucas Liedke definem o viralismo como o "empuxo que nos convoca a fazer parte de qualquer acontecimento e capitalizar em cima, fazer render até onde der."
Vemos um exemplo desse comportamento quando acontece a morte de uma pessoa muito famosa, no que eles chamam de "luto-espetáculo". O impulso de homenagear pode até ser legítimo, mas será que isso de fazer questão de mostrar que você já conheceu ou trabalhou com aquela pessoa, tem foto junto com ela, contar como VOCÊ se sentiu com a notícia, enfim, não é uma forma de trazer a narrativa sempre de volta para si?
Por trás das dancinhas
Aprofundando na dinâmica atual das redes sociais, precisamos olhar para os comportamentos que são estimulados pelas plataformas que são mestres em sugar a nossa atenção. Saiu uma matéria recente e bem polêmica na Forbes sobre uma suposta prática interna do TikTok chamada de "heating", em inglês, que seria como "aquecer" um conteúdo: colocá-lo na aba explorar para que alcance um certo número de visualizações e, o que é mais grave, sem qualquer tipo de sinalização!
Das abas de "explorar" às músicas sugeridas e patrocinadas no Spotify, as plataformas possuem um grande papel (e responsabilidade) nesse processo de definir o que vai ganhar visibilidade - ou não.
De forma geral, esses algoritmos funcionam com um certo efeito cascata, em que a validação das outras pessoas serve para impulsionar um determinado conteúdo e assim mostrar para mais pessoas. É quase como se eles dissessem: "Se muita gente engajou, então deve ser bom".
Um dos perigos mora justamente em confundir relevância com engajamento.
Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, negócio ou carreira?
O primeiro ponto que precisamos enfatizar aqui é que viralizar nem sempre é o melhor caminho para vender, principalmente quando você atrai milhares de pessoas aleatórias que não fazem parte do seu público e não tem identificação com o seu conteúdo ou produto.
-> Leia também: Tamanho não é documento, sobre pequenos negócios que movimentam o mundo (CoolBox).
Na sua estratégia de conteúdo, você pode sim incluir os chamados conteúdos "topo de funil", com conteúdos compartilháveis que podem te ajudar a alcançar novas pessoas e crescer a sua base de seguidores, ou até investir em tráfego pago. Mas é bom lembrar que isso precisa estar integrado com outras frentes, para que não seja um tiro no escuro e nem um desejo vazio de viralizar só pelo ego.
Aquele perfil que viralizou do nada vai ter que fazer um esforço para continuar produzindo conteúdo mais ou menos na mesma linha, entre outras formas de tentar “reter” essas pessoas novas que chegam. Com o tempo, isso naturalmente tende a se dissipar até “sumir” ou então segue lutando para estar sempre em alta, surfando nas ondas do hype.
Outro efeito colateral de um post viralizado é a exposição indesejada e exagerada de pessoas envolvidas nas histórias, que acabam atraindo os "haters" e toda essa gente de repente opinando na sua vida.
-> Leia também: De fã a hater: fandons, o poder das comunidades e a Internet (CoolBox)
Como muita coisa na Internet, a atenção é uma faca de dois gumes que precisa ser manejada com cuidado.
Eu poderia emoldurar essa frase
"VIRALISMO é saber que qualquer acontecimento público ou pessoal pode ser a sua grande chance de hitar, lacrar, lotar caixas de comentários, chuva de likes. É fazer o possível (e o impossível) para entreter e conquistar a sua audiência, com a sua versão mais autêntica ou mais absurda. Mas quais são os limites e as consequências desse jogo?" - Andre Alves e Lucas Liedke
Radar do Futuro-Presente
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