Web Summit Lisboa 2023: completando a cobertura
É, pessoal, o Web Summit Lisboa 2023 acabou no último dia 16, mas nós ainda estamos aqui, refletindo, digerindo e lendo um pouco mais sobre tudo o que vimos e ouvimos durante os 4 dias de conferência.
Cumprindo a promessa da última CoolBox e sem nos deixar levar pela sensação provocada pelo excesso de summits realizados por aí, - a de que só vale falar de um evento enquanto ele ainda está acontecendo - veio aí a parte 2 da nossa cobertura.
P.s.: os gifs utilizados em ambas as CoolBox são de edições anteriores.
Antes, uma contextualização sobre os bastidores
Semana passada, nós falamos sobre o quanto os últimos acontecimentos relacionados à gestão do Web Summit acabaram impactando a cerimônia de abertura, que foi a mais morninha dos últimos tempos.
Bom, a gente também sentiu uma certa diferença ao longo dos dias. Não em termos de organização, mas em termos das palestras e painéis que vimos. Além da ausência dos lounges do Google e da Amazon, por exemplo, que sempre levaram uma programação própria para o evento, também notamos que boa parte da agenda acabou sendo alterada na última hora em razão da “queda” de um bom número de palestrantes. Haja jogo de cintura.
Dito isso, vamos aos nossos destaques!
Um evento “sequestrado” pela Inteligência Artificial
IA na automação de processos, IA na política, IA no branding, IA na arte, IA na educação, IA para ajudar o Planeta… Quando não no título, ao menos em uma das perguntas elaboradas pelos entrevistadores/mediadores dos painéis, lá estava ela, a Inteligência Artificial.
Em parte, era de se esperar. Afinal, desde a popularização do ChatGPT, criado pela OpenAI e lançado em novembro de 2022, o tema passou mesmo a dominar as pautas do mundo da tecnologia, trabalho e sociedade, de forma geral. (Inclusive, vocês estão acompanhando o caso da demissão e reintegração do Sam Altman, criador da ferramenta? Só isso renderia mais uma newsletter inteira, mas continuemos.)
O fato é que o excesso de abordagem, na nossa opinião, além de deixar algumas conversas bastante repetitivas, ainda foi carregado de um viés mais positivo e otimista e menos crítico e preocupado do que deveria. Afinal, estamos falando de algo cuja tecnologia está sendo desenvolvida a passos muito mais largos que a regulamentação e/ou proteção para quem utiliza.
Passando um pente fino
Das conversas mais críticas que filtramos, podemos citar o painel “Are we moral enough for AI?” (Somos morais o suficiente para a IA?), no qual Brittany Kaiser, co-fundadora da fundação Own Your Data, contextualizou a sua trajetória enquanto defensora da proteção de dados.
Kaiser foi uma das delatores do escândalo envolvendo o Facebook e a empresa de marketing político Cambridge Analytica, onde ocupou o cargo de diretora de desenvolvimento de negócios. Ela contou que começou a trabalhar na empresa com objetivo de aprender o suficiente para terminar sua tese de doutorado em ciência de dados.
No entanto, foi a sua bagagem enquanto advogada da área de Direitos Humanos que a fez perceber que a forma como a indústria de ciência de dados trabalha é capaz de transformar os nossos dados pessoais, as nossas informações mais valiosas, em verdadeiras armas contra nós. E que isso continuará acontecendo até que tenhamos reais direitos no espaço digital.
Então, comecei a perceber que a base da tecnologia e a falta de legislação, regulamentação e aplicabilidade de qualquer um dos nossos direitos no espaço digital significava que a direção que o setor de tecnologia estava tomando era incompatível com a proteção dos direitos humanos e dos direitos civis. Foi assim que acabei me tornando uma delatora, porque vim da perspectiva dos direitos humanos e de como usar essas ferramentas tecnológicas para tornar o mundo um lugar melhor. E vi que, como os seres humanos são falíveis, não temos moral suficiente para lidar com algumas dessas ferramentas sem legislação e regulamentação adequadas. Vi que essas são apenas ferramentas e que tudo vai depender da moralidade das pessoas que as empregam. Porque, é claro, a Cambridge Analytica tinha muitos clientes. Fizemos coisas incríveis com dados que são inerentemente positivos. Mas, quando caíram em mãos erradas, os dados foram transformados em armas para atingir pessoas, incitar a violência e o ódio racial, derrubar eleições, criar crises em vez de preveni-las. Portanto, é do meu conhecimento que até que tenhamos as definições básicas de propriedade de dados, de responsabilidade fiduciária de custódia, de rastreamento e rastreabilidade, estruturas de permissão, transparência e monetização de dados. E se não tivermos isso primeiro, começando a analisar como os dados são inseridos em algoritmos, construídos com base em algoritmos, com a complexidade da inteligência artificial, estaremos em uma situação muito ruim, porque ainda não decidimos legislar e regulamentar o suficiente sobre os componentes básicos que nos levarão a uma IA moral um dia.
Brittany Kaiser, co-fundadora da fundação Own Your Data
Também sobre isso, Tiago Belotte, fundador da CoolHow, escreveu um ótimo texto em seu perfil do Instagram, abordando o domínio da pauta sob três pontos: 1. O frenesi do hoje; 2. A desilusão do amanhã; 3. Os verdadeiros impactos depois de amanhã. Vale a pena a leitura!
Além da IA… O que ouvimos sobre diversidade, equidade e inclusão?
Sim, tentamos fugir um pouco do monopólio temático para ouvir sobre outros assuntos fundamentais para o mundo do trabalho e da aprendizagem nas empresas. Obviamente, a pauta da diversidade, equidade e inclusão esteve entre eles, também atravessada pela IA em alguns momentos. De toda forma, tivemos afirmações bem interessantes.
A diversidade pode ser visível, mas a inclusão não
Na masterclass “Diverse Minds, disruptive solutions” (Mentes diverses, soluções disruptivas), promovida pela Shell, Juliana Garaizar, diretora de investimento e desenvolvimento da Greentown Labs, falou sobre as necessidades de:
CEOs serem as primeiras pessoas a se engajarem nos programas de diversidade e inclusão das empresas. De acordo com a experiência de Garaizar, nenhum programa de diversidade e inclusão consegue ser bem-sucedido se os CEOs não estiverem engajados.
As empresas incluírem indicadores-chave de performance capazes de mensurar o nível de diversidade e inclusão entre pessoas colaboradoras. Caso contrário, diversidade será apenas “tokenismo” (quando profissionais negros ou de grupos sub representados são contratados para serem usados como ‘símbolo’ da diversidade corporativa, sem um real trabalho de inclusão).
Empresas desenvolverem programas e treinamentos para que todas as pessoas se sintam ouvidas, incluídas e com real acesso às possibilidades de crescimento. Ao falar sobre este tópico, Garaizar citou a importância do combate às micro agressões entre as pessoas colaboradoras de uma organização.
Aqui, vale uma observação importante. Às vezes, o nosso envolvimento em uma temática é tão grande e frequente que parece que todas as pessoas têm o mesmo nível de informação e percepção que a gente. E isso é um erro. Quer um exemplo? Ao lado de Juliana Garaizar, estava Matias Figliozzi, CEO e co-fundador da startup argentina Unibaio. Pois não é que ele contou que estava ouvindo sobre essas coisas pela primeira vez? Imagine quantos CEOs estão na mesma? 😢
Desvendando o viés na IA
Esse foi o título de uma mesa redonda sobre racismo e inteligência artificial mediada pela designer e consultora em Diversidade e Inclusão Mariama Injai, também fundadora do Nô Bai - comunidade de empreendedores afrodescendentes em Portugal.
Como uma das soluções apontadas para evitar o viés algorítmico, os participantes propuseram a capacitação em bias (viés) e o desenvolvimento de um processo de auditoria em todos os estágios do desenvolvimento de um produto.
A proposta levantada pelo grupo é que as empresas tenham um conjunto de consultores em diversidade e inclusão para verificar se os algoritmos criados por elas não estão sendo tendenciosos e beneficiando sempre as mesmas pessoas.
Leia também: “Diversidade Artificial”: precisamos falar do racismo algorítmico
“A psicose da branquitude”
Na sessão de mesmo nome que o seu recém publicado livro, “The Psychosis of Whiteness: Surviving the Insanity of a Racist World”, o autor Kehind Andrews, primeiro professor de Estudos Negros da Europa, falou sobre a necessidade de evolução de como as pessoas falam sobre raça na sociedade.
Ele utiliza a palavra “branquitude” para definir um conjunto de ideias relacionadas a como pessoas brancas pensam o mundo e a desigualdade. Para ele, é tudo tão distorcido que não há outra palavra melhor para definir do que “psicose”, uma metáfora para pensar sobre a supremacia branca, sobre como se pensa a branquitude.
Na verdade, isso é relevante para uma discussão sobre tecnologia, porque estamos realmente em uma era tecnológica. O Ocidente é… Você sabe, você pode ver todas as coisas por aqui (referindo-se ao espaço do Web Summit). Mas como chegamos até aqui? Chegamos aqui por um sistema de colonialismo, que é o genocídio, a escravidão, o domínio colonial, etc. E isso criou divisões no mundo e essas divisões não foram a lugar algum, certo? Portanto, a parte mais pobre do mundo hoje é a chamada África Subsaariana, que é onde vivem os negros. A parte mais rica do mundo é o Ocidente, onde vivem os brancos, e há uma hierarquia no meio. Hoje, assim como antes. Portanto, essas ideias sobre os ocidentais ou os brancos serem supremos são necessárias para tudo o que temos hoje. Tudo o que vemos aqui e agora ainda se baseia na supremacia e na opressão dos negros e pardos.
Kehind Andrews, autor de “The Psychosis of Whiteness: Surviving the Insanity of a Racist World”
Andrews também defendeu que problemas estruturais precisam de mudanças estruturais e é preciso que as pessoas brancas se tornem aliadas, mas que deixem de lado a narrativa de “brancas salvadoras”. Segundo ele, mudanças acontecem quando os interesses das minorias correspondem aos interesses das maiorias. Passos importantes para isso são:
Entender e reconhecer o quão má é a nossa sociedade. E o quanto ela está estruturada de forma desigual e excludente.
Pensar diferente. É preciso que as empresas invertam a sua lógica de contratação das pessoas. Buscar por profissionais das universidades mais renomadas é perpetuar uma lógica de contratação excludente, que deixa de fora as pessoas que não tiveram acesso. Em vez disso, Andrews sugere que as empresas pensem em outras formas de atrair pessoas.
No mais…
Na verdade, encerramos esta CoolBox com muita coisa por ser dita, com o tópico de crises climáticas todinho por abordar. De toda forma, prevemos uma pauta sobre o tema em breve. Não deixe de acompanhar!
Para emoldurar e colocar na parede
“Conversas sobre raça deveriam ser desconfortáveis, e grande parte da literatura e do trabalho que surgiu agora está tentando fazer com que você se sinta bem. No final, acabamos tentando nos sentir melhor. Essa é a pior maneira de falar sobre raça. Se quisermos ter uma conversa honesta, será uma conversa em que vamos nos sentir desconfortáveis para, então, começar a pensar de maneira diferente, porque precisamos realmente pensar de maneira diferente.”
Kehind Andrews, autor de “The Psychosis of Whiteness: Surviving the Insanity of a Racist World”
Radar do Futuro Presente
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