As tendências perderam o sentido?
Você anda com algum ranço da palavra “tendência” nos últimos tempos?
Se a sua resposta é sim, saiba que você não está só. E isso tem um motivo.
Um artigo recente escrito por Matt Klein, head global de Foresight da plataforma Reddit, está dando o que falar entre as pessoas que pesquisam e/ou trabalham na área.
Basicamente, o autor argumenta que o fascínio das marcas pelos modismos das mídias sociais - os famosos trending topics - vem desvalorizando a prática rigorosa da pesquisa de tendências e, logo, distorcendo e banalizando o termo.
Falemos mais sobre o assunto e o seu impacto.
Leia também: Vale tudo: desejos e desesperos por trás do viralismo
O contexto:
A análise de Matt Klein é bem clara: a ansiedade das marcas por participar das conversas, seguir aquilo que está em alta e viralizar a todo custo está diretamente relacionada à sua expectativa de engajamento e, consequentemente, de vendas. E isso é errado? De forma alguma. Aliás, que atire a primeira pedra quem nunca lançou mão de um meme do momento para impulsionar um conteúdo.
A grande questão é que, nessa busca insana por fazer parte das conversas, as marcas estão deixando passar aquilo que, culturalmente falando, está implícito nelas, confundindo o que é “trending” com uma tendência e assumindo um mero papel de reprodução do que está bombando - ou hitando - por aí.
Botando os pingos nos is: o que é tendência, então?
De acordo com o próprio autor do artigo, as tendências eram “uma mudança social significativa: um pensamento, um comportamento, um valor ou uma atitude coletiva emergente e denifidora”. Pra gente, elas continuam sendo isso. E a verdade é que estamos falando de uma confusão conceitual que não é de hoje.
Veja bem!
Sem cair no academiquês, vamos tentar trazer aqui a conceituação de Henrik Vejlgaard no livro Anatomy of a Trend (infelizmente, sem tradução no Brasil).
Segundo Vejlgaard, a palavra tendência foi popularizada nos anos 1970 pelo mundo da moda, em um contexto no qual o termo se relaciona ao lançamento de novos produtos. Depois de tanto ouvir sobre o “o que será tendência na próxima estação”, a gente aposta que você faz esse link entre tendência e moda também, certo?
Cultural ou sociologicamente falando, no entanto, uma tendência não é algo que aparece e desaparece repentinamente - isso se chama onda - mas um processo social de mudança que, aos poucos, vai conquistando a aceitação de um grande número de pessoas e ocasionando novos comportamentos.
Quer um exemplo claro disso? Pense no tanto de séries de TV que já foram sucesso de público no passado e hoje são canceladíssimas porque o seu conteúdo não corresponde ao que entendemos como apropriado ou inapropriado atualmente. Ou seja, a nossa mentalidade foi mudando ao longo do tempo.
Tendência is trending, mas por quê?
Podemos atribuir essa confusão e desconforto em relação às tendências a duas questões, prioritariamente. A primeira é a necessidade de alimentar os algoritmos, numa espiral de constância e busca por performance infinitas.
A segunda é o momento de incertezas em que vivemos, que nos faz olhar as “tendências” como uma forma de tentar entender o que vem a seguir. Como resultado, Matt Klein aponta o número de relatórios de tendências publicados nos últimos anos, que quase triplicou desde 2016.
As buscas pelo termo tendência no Google também não negam. Dá só uma olhadinha neste gráfico!
E só para completar, faz as contas: quantos relatório de tendência você salvou - e não leu - nos últimos meses, heim?!
E aí é que está: se tendências são mudanças sociais e de comportamento que não acontecem de um dia para o outro, excesso de conteúdo sobre elas não se justifica, concorda?!
A quantificação da vida
Por outro lado, o desafio aumenta à medida que se torna cada dia mais impossível ignorar a importância dos números em nossa vida.
No artigo “Mais TikTok e K-pop, menos Mona Lisa: números agora definem o que é arte”, a jornalista e pesquisadora em futurologia Lidia Zuin aborda o conceito de “estética quantitativa” apresentado pelo crítico de arte Ben Davis.
Esse conceito traduz a definição do gosto popular com base em métricas e estatísticas: quantidade de reproduções, número de likes e seguidores, frequência de aparição pública e por aí vai… De forma que a boa arte só possa ser considerada como tal a partir daquilo que é mensurável. Ou seja, se os números são capazes de se impor até mesmo à subjetividade artística, imagine o resto.
Adicione isso a um outro fato importante também levantado por Ben Davis e citado por Zuin: a redução considerável dos cursos de literatura e humanidades entre 2011 e 2020, que pode ser atribuída às próprias mudanças no mundo do trabalho, cuja imposição tecnológica acaba por colocar os cursos de humanas em desvantagem no ranking de prioridades.
Como consequência, a autora reflete que com um repertório de referências e teorias menor, a chance de nos surpreendemos com qualquer “divertimento barato” e de rejeitar aquilo que foge a essa norma é maior.
Levando em conta que a quantificação da vida impacta não apenas o mundo da arte e que há uma grande chance de a falta de abordagens, referências e teorias aprofundadas também se fazer presente dentro das áreas de marketing das empresas, temos um cenário mais propício ao favorecimento e reprodução do que é “trending” em contraposição à análise de tendências.
Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, carreira ou negócio?
Antes de continuarmos, duas perguntas:
Você tem tido atenção às mudanças culturais e de comportamento em um nível macro ou está concentrando o seu foco e a suas estratégias de marketing apenas nas discussões que estão em pauta? O foco de seu conteúdo está nas pessoas ou nos algoritmos?
É fundamental refletir sobre isso porque sabemos que a longevidade dos negócios está diretamente relacionada à sua capacidade de entender, acompanhar e, muitas vezes, se antecipar às novas mudanças de mentalidades e comportamentos. Ondas são efêmeras e, tal como afirma Klein, a efemeridade possui um ROI notoriamente baixo.
Ao aderir a uma “trend” sem reflexão ou conexão com a sua marca, existe também um risco grande de você se posicionar apenas como mais do mesmo, concentrando esforços em um trabalho de comunicação desconectado dos seus objetivos. Quando todo mundo parece estar em busca dos mesmos hits, ninguém se diferencia.
E sabe o que conecta todos esses pontos? O senso crítico! Ou seja, a relevância do nosso papel enquanto profissionais pensantes e do papel das empresas enquanto educadoras de profissionais capazes de realizar todas essas leituras.
Diante da redução da procura por cursos que estimulam um maior senso crítico e até mesmo da defasagem dos sistemas educacionais tradicionais, cabe também aos negócios a responsabilidade pela formação de equipes capazes de compreender e agir de acordo com as transformações do nosso tempo.
Eu poderia emoldurar essa frase
Neste contexto, a velocidade é o que está em jogo e estamos a confundir velocidade com novidade. Ironicamente, são normalmente as mudanças mais lentas que têm mais valor e energia sustentada.
Matt Klein, Head Global de Foresight do Reddit
Radar do Futuro-Presente
Um pouco mais sobre o cansaço em relação às tendências no episódio Fadiga do Futuro, do podcast @caos.cast (Grupo Consumoteca)
Já que usamos as séries como exemplo de como as mentalidades mudam, um especial que aborda o que as pessoas andam assistindo no presente (Revista Gama)
Geração Z quer conteúdo que traga sensação de comunidade e relaxamento, diz relatório do Youtube (Rock Content)
Duas realidades (virtual e aumentada) em um par de óculos só e um chacoalhão na empresa de Zuckerberg. Apple lança o Vision Pro (Forbes)
No ar, o Panorama Mobile Time, um relatório sobre o uso de apps no Brasil. Spoiler: Netflix e Spotify no topo dos streamings (Mobile Time e Opinion Box)
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