Liberdade cognitiva: um novo direito para os nossos tempos
Diferentemente das duas últimas semanas, em que nos deixamos levar pelo espírito carnavalesco para pegar um pouco mais leve nos temas da CoolBox, a edição de hoje foi escrita para a gente sair com o cérebro assim 🤯, bem pensante.
Para introduzir o tema, a gente começa com alguns exemplos aparentemente banais do nosso dia a dia, como acessar um streaming de vídeo e ali visualizar uma série de recomendações selecionadas com base naquilo que você já viu; acessar um outro de música e já ver uma lista, igualmente algorítmica, disfarçada de descobertas da semana; ou acessar uma rede social profissional e dar de cara com uma série de cursos que você supostamente deveria fazer com base no seu perfil.
Entre feeds e linhas do tempo cujo conteúdo é “estrategicamente” selecionado para atender aos seus interesses e te manter ali pelo maior tempo possível, a pergunta capciosa que elaboramos aqui é: qual foi a última vez que você fez uma escolha de forma ativa e genuinamente sua, sem qualquer máquina te conduzindo?
Bora falar sobre isso?
Mas o que é liberdade cognitiva, afinal?
No artigo intitulado “Liberdade cognitiva: um novo direito humano nascido da inteligência artificial”, os pesquisadores Flavio Farinella e Elena Evgenyevna Gulyaeva partem de diferentes conceitos para definir a liberdade cognitiva como a liberdade de uma pessoa para controlar seus próprios processos mentais, cognição e consciência, sem coerção externa.
Farinella e Gulyaeva exploram a importância desse direito como garantia de autonomia mental e independência de pensamento, sobretudo diante do avanço da tecnologia e de seu poder invasivo e coercitivo sobre as nossas mentes.
Em termos práticos, a liberdade cognitiva implica a habilidade de pensar por si mesmo, questionar suposições estabelecidas, desafiar normas sociais e culturais e buscar conhecimento além das fronteiras convencionais. Isso inclui a capacidade de reconhecer e superar preconceitos, estereótipos e crenças limitantes que possam influenciar o pensamento e o comportamento de uma pessoa.
Voltando aos exemplos que demos na introdução, a grande questão é que, apesar de a gente clicar em “aceito” nos termos de uso e serviço das plataformas que utilizamos, a maior parte das escolhas que são feitas por nós é feita sem o nosso consentimento. Ao menos, sem uma consciência clara do quanto isso pode afetar a nossa capacidade de pensamento próprio.
TikTok e possibilidade de desativar os algoritmos na Europa
Em agosto do ano passado, diversos veículos divulgaram a notícia de que o TikTok começaria a permitir que seus usuários da União Europeia desativassem o algoritmo de seleção de conteúdo da plataforma.
A mudança foi impulsionada pela Lei de Serviços Digitais da União Europeia, como parte de seus esforços mais amplos para regulamentar a inteligência artificial e os serviços digitais de acordo com o direito à liberdade cognitiva, sobretudo das pessoas com idade entre 13 e 17 anos.
Para quem não está por dentro, o TikTok é uma rede famosa pela sua capacidade de aprender com as interações de quem utiliza a plataforma e, assim, oferecer conteúdos super personalizados com base em interesses previamente demonstrados.
No entanto, o que a plataforma considera como personalização também é visto e considerado por especialistas da área digital como manipulação dos estados mentais, preferências e comportamentos das pessoas usuárias sem seu pleno consentimento.
No início desta semana, novas notícias trouxeram informações de que a União Europeia está conduzindo uma investigação sobre possíveis violações do Lei de Serviços Digitais pelo TikTok, focando em aspectos como proteção de menores de idade, transparência de anúncios, acesso de dados a pesquisadores, design viciante e conteúdo nocivo.
A Lei de Serviços Digitais visa aumentar a transparência das redes sociais e combater o uso indevido das plataformas. Caso as violações sejam comprovadas, a UE pode multar o TikTok em até 6% do seu faturamento global, o que representa uma penalidade significativa para a empresa.
Leia também: Para onde está indo sua atenção?
Regulamentação já!
Uma grande defensora da liberdade cognitiva é a futurista, especialista em ética tecnológica e professora de Direito Nita Farahany. Ela também é autora do livro “The Battle for Your Brain: Defending the Right to Think Freely in the Age of Neurotechnology” (A batalha pelo teu cérebro: defendendo o direito de pensar livremente na era da neurotecnologia, ainda sem tradução no Brasil).
Farahany enfatiza a importância da criação de medidas abrangentes para proteger nossa liberdade de pensar e tomar decisões por conta própria, especialmente no mundo digital. Isso inclui a criação de leis e regulações que garantam que as empresas respeitem nossa privacidade e os nossos dados e não nos manipulem mentalmente.
A autora também defende que as empresas sejam transparentes sobre como seus algoritmos funcionam e criem mecanismos de avaliação em torno de como suas tecnologias afetam nossa capacidade de pensar livremente.
Além disso, Farahany ainda argumenta sobre a importância de oferecer incentivos financeiros para encorajar empresas a desenvolver práticas e produtos que promovam tal liberdade.
Neste TED, ela argumenta brilhantemente sobre os prós e contras da neurotecnologia e a importância da privacidade mental em nossas vidas.
Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, carreira ou negócio?
Estamos diante de um dos desafios mais complexos do nosso tempo, uma vez que o desenvolvimento de novas tecnologias e a sua acelerada incorporação pelas grandes empresas ocorre com uma rapidez infinitamente maior que o seu próprio processo de regulamentação, fazendo com que o poder de decisão e de manipulação continue nas mãos e de poucos.
De uma forma geral, a falta de liberdade cognitiva pode nos levar (ou já tem levado) a escolhas menos autênticas, à polarização de ideias e à falta de pensamento crítico. Logo, a um cenário menos criativo e inovador. De mais reprodução do que criação, vide o tanto que os algoritmos têm condicionado e padronizado as criações de conteúdo, por exemplo.
No campo da educação, a soberania algorítmica pode prejudicar o processo de aprendizagem ao limitar a diversidade de informações e reforçar crenças, manipular a atenção e o foco, reduzir a capacidade crítica e padronizar o aprendizado.
Diante de tudo isso, resta-nos trabalhar para que sejamos pessoas críticas o suficiente para promover práticas que permitam o acesso a uma variedade de perspectivas e informações, bem como desenvolver habilidades críticas para avaliar e processar conteúdos de forma inteligente.
Na CoolHow, temos um time pronto para falar deste e de outros temas complexos, além de desenhar jornadas e experiências de aprendizagem que fujam dessa lógica algorítmica. Se esta é a vontade ou necessidade da sua empresa, vamos conversar! E fique de olho que em breve teremos novidades vindo por aí.
Para emoldurar e colocar na parede
“A liberdade cognitiva é uma atualização da liberdade na era digital como um conceito abrangente da prosperidade humana nas tecnologias digitais. Porque o caminho a seguir não passa pelos direitos do metaverso ou da IA, ou dos direitos da neurotecnologia. Passa por reconhecer que estas tecnologias não existem em compartimentos, mas em conjunto, afetando os nossos cérebros e experiências mentais.”
Nita Farahany, futurista, especialista em ética tecnológica, escritora e professora de Direito
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