Voltar ou voltar, eis a imposição. O dilema do trabalho presencial
Como as coisas mudam, não é mesmo?! Lá em março de 2020, quando muitos profissionais se viram forçados a abraçar o trabalho remoto de um dia para o outro, a gente podia jurar que, após um período de adaptação, esse modelo de trabalho seria um caminho sem volta.
E bem quando muita gente migrou da cidade grande para uma cidade menor, quando uma outra turma decidiu ser nômade digital e uma outra simplesmente achou melhor trabalhar de casa, mesmo, bum… As empresas começam a chamar todo mundo de volta para o escritório.
Sim, a gente tem visto o futuro repetir o passado. E segue tentando entender o porquê. Vamos lá?
“O home office flopou?”
Nós vimos esse título em um excelente artigo da Você/SA e achamos graça, já que uma coisa só flopa quando não consegue engajamento de ninguém. No caso do trabalho remoto, a gente não considera um flop porque o modelo de trabalho ainda é a preferência de muitos profissionais.
De acordo com uma pesquisa realizada entre abril e maio de 2023 pelo Infojobs e o Grupo Top RH, dos 1008 trabalhadores entrevistados, 85,5% aceitariam trocar de emprego caso recebessem uma proposta com mais dias em home office. Uma outra pesquisa da Robert Half também aponta que 38% das pessoas entrevistadas estariam dispostas a buscar um novo emprego se o seu trabalho tivesse um retorno 100% presencial.
No entanto, no mundo corporativo, depois da “Grande Resignação”, a onda de demissão voluntária que ocasionou mais vagas ociosas e menos talentos para preenchê-las, o poder parece ter voltado para as mãos dos CEOs, sobretudo com a insegurança provocada pelas demissões em massa dos últimos meses.
Assim, o que se observa é a crescente migração do regime remoto para o híbrido e do híbrido para o presencial. Com base nos dados fornecidos pelo LinkedIn Economic Graph em fevereiro deste ano, cerca de um quarto das vagas de emprego anunciadas na plataforma eram para trabalhos remotos. No entanto, em fevereiro de 2022, esse número representava quase 39% das oportunidades de trabalho disponíveis.
Ao que tudo indica, a estratégia das empresas tem sido essa, convencer suas equipes a migrarem do remoto para o híbrido, mas abrir novas vagas apenas para o presencial.
Leia também: O trabalho remoto voltou a diminuir no Brasil: retrocesso cultural ou ajuste de rota?
A “culpa” é da produtividade
A gente resistiu à tentação de começar esse artigo falando que “quando até o Zoom, símbolo do trabalho remoto durante a pandemia, chamou seus profissionais de volta para o escritório…”, mas o fato é que o movimento tem sim chamado mais atenção após a tomada de decisão das grandes big techs como Amazon, Apple e Google. O argumento principal? Bem, sempre ela, a queda da produtividade.
Na verdade, quando colocamos a produtividade em questão, é preciso considerar as controvérsias entre a percepção dos colaboradores e a percepção das lideranças. E é preciso cuidado até mesmo para apontar pesquisas, uma vez que a maior parte delas trazem amostragens ainda limitadas ou resultados de amostras coletadas em países com realidades bem diferentes da brasileira, por exemplo.
O fato é que, para muitos gestores, ainda é mais fácil optar pelas soluções que lhes são mais convenientes do que enfrentar o desconforto de explorar novas possibilidades. Por isso, acaba ficando mais cômodo ter as equipes sob “controle”, por perto, do que encontrar novas formas de geri-las à distância. Veja só!
“Não tenho provas, mas tenho convicção”
Foi praticamente o que o vice-presidente sênior da Amazon, Mike Hopkins, disse sobre o trabalho presencial: “Não tenho dados para comprovar isso, mas sei que é melhor”. Irônico, mas é o que Lisa Conn, colaboradora da Forbes USA e cofundadora e CEO da Gatheround, empresa que ajuda equipes remotas a melhorar sua interação e impulsionar a cultura organizacional, informa neste artigo.
Conn também menciona uma fala de Andy Jassy, CEO da Big Tech que, ao ser questionado por um dos funcionários da empresa, afirmou não ter dados perfeitos sobre produtividade, mas que em conversa com entre 60 a 80 outros CEOs, todos admitiram preferir o trabalho presencial ao remoto.
Mas ok, nem tudo são flores no trabalho remoto
Agora é aquele momento em que a gente se faz de advogada do diabo para trazer um contraponto. Até porque, 3 anos e meio do início da pandemia que mudou radicalmente as nossas vidas é tempo suficiente para que novos estudos tenham sido desenvolvidos sobre o tema.
Se por um lado esse modelo de trabalho é capaz de poupar um imenso tempo de deslocamento de um lugar a outro e propiciar a redução de interrupções desnecessárias e uma maior capacidade de concentração, por outro, a comunicação mediada apenas pelas telas também pode resultar em uma série de consequências e/ou limitações.
Você deve se lembrar que foi preciso pouco tempo de lockdown para que a gente se deparasse com o termo Zoom Fatigue, a fadiga do Zoom, usado para descrever o cansaço, a exaustão e a sensação de sobrecarga que algumas pessoas experimentaram como resultado do excesso de videoconferências e reuniões online.
Embora o Zoom e outras ferramentas de videoconferência tenham sido essenciais para manter a comunicação e o trabalho remoto durante esse período, elas também apresentaram alguns desafios e efeitos colaterais.
Em 2022, essa publicação da Revista Nature revelou os resultados de um estudo cuja metodologia se baseou em análises de interações presenciais e por vídeo. Os dados revelaram que mesmo que a comunicação por vídeo possa transmitir a mesma informação que a comunicação presencial, ainda persiste uma discrepância física intrínseca e subestimada na comunicação por vídeo que não é psicologicamente inofensiva. Em outras palavras, o estreitamento do campo visual decorrente das telas pode limitar a comunicação e a geração de novas ideias, embora não prejudique a tomada de decisões em grupo.
Também é importante que outras questões, como o estreitamento de laços e a troca de ideias e de conhecimento sejam levadas em consideração. Esta matéria da Fast Company, por exemplo, argumenta sobre a possibilidade de as mulheres da Geração Z estarem perdendo amizades importantes com outras mulheres por causa do trabalho remoto.
Já esta outra, da Folha de São Paulo, fala da frustração de estagiários que não conseguem ter contato com colegas mais experientes em um contexto no qual os escritórios estão vazios.
Pergunta do milhão: como isso impacta minha marca, carreira ou negócio?
Uma coisa é inegável, as transformações dos últimos anos no mundo do trabalho trouxeram uma série de confirmações e novas possibilidades.
De um lado, e pode ser que você esteja nesse time, muitos colaboradores tiveram a oportunidade de regular o próprio tempo, entendendo como o trabalho poderia ser conciliado com a própria rotina de atividades pessoais, ao mesmo tempo em que perceberam o grande número de reuniões que poderiam ter sido e-mails em suas vidas. Portanto, não é surpresa que o pedido para que todos voltem aos escritórios esteja causando desconforto.
De outro lado, e pode ser que você tenha percebido isso também, é preciso reconhecer o quanto a redução das interações presenciais também vem impactando a nossa forma de aprender e se relacionar. O trabalho remoto oferece muitas vantagens, mas quantos problemas não são resolvidos de forma mais fácil no escritório?
Mais uma vez, estamos diante de um tema no qual não existe uma abordagem única que funcione para todas as organizações. No entanto, cabe às lideranças encontrar motivos verdadeiramente plausíveis para a sua tomada de decisões, que parecem seguir baseadas em controle e vigilância.
Uma outra investigação se faz necessária sobre as reais causas da alegada queda da improdutividade que, convenhamos, possui muito mais variáveis do que o local de trabalho e/ou as suas ferramentas de mediação. Só aqui na CoolBox, já falamos sobre o quanto a produtividade pode ser impactada por questões financeiras e falta de descanso. Isso sem falar na desigualdade de gênero, que é um tema transversal a todas essas questões.
Em um contexto no qual muitos profissionais e gestores puderam experimentar um pouco dos dois lados, a abordagem mais lógica seria a construção conjunta de um modelo híbrido que integre o melhor deles, em lugar de buscar exclusivamente informações e argumentos que sustentem uma perspectiva ou outra. Isso requer escuta, diálogo e abertura para o aprendizado. A pergunta que fica é: quantas empresas estão realmente dispostas a isso?
Se a sua é uma delas, fala com a gente! Certeza que podemos pensar em algo em conjunto.
Para emoldurar e colocar na parede
Uma pesquisa do especialista em trabalho remoto Nick Bloom mostra que, embora alguns estudos sobre trabalho remoto demonstrem uma queda de 10% na produtividade, as explicações mais plausíveis para esta queda incluem falta de orientação e gestão, redução da conexão interpessoal e desafios na comunicação e estabelecimento de normas. Esses não são desafios do trabalho remoto, são desafios de liderança e cultura que foram expostos pelo trabalho remoto.
Lisa Conn, colaboradora da Forbes USA, em texto traduzido por Fernanda de Almeida para a Forbes Brasil
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